Acórdão: Apelação Cível n. 2007.004947-4, de Curitibanos.
Relator: Des. Fernando Carioni.
Data da decisão: 17.09.2007.
Publicação: DJSC Eletrônico n. 321, edição de 30.10.2007, p. 193.
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – COMUNICAÇÃO DE DELITO À AUTORIDADE COMPETENTE – BOA-FÉ DO COMUNICANTE – EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO – RESPONSABILIDADE CIVIL INEXISTENTE – ARTIGO 188, I, DO CÓDIGO CIVIL – DANO MORAL NÃO CONFIGURADO – DEVER DE INDENIZAR AFASTADO – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO.
Não enseja pedido de indenização por dano moral a mera comunicação de crime perante autoridade policial, porquanto age o agente tão-somente no exercício regular de um direito.
"Inadmitido o pedido indenizatório se a representação não se reveste de dolo, temeridade ou má-fé" (RT 249/133).
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2007.004947-4, da comarca de Curitibanos (1ª Vara Cível), em que é apelante Rosana Aparecida Luiz, e apelada Cristiane Paula dos Santos:
ACORDAM, em Terceira Câmara de Direito Civil, por votação unânime, negar provimento ao recurso. Custas legais.
RELATÓRIO
Trata-se de Ação de Indenização por Danos Morais, autuada sob o n. 022.03.004928-0, proposta por Rosana Aparecida Luiz contra Cristiane Paula dos Santos ao argumento de que estava no interior da residência da ré e que foi acusada injustamente de furto, recebendo intimação em seu trabalho para comparecer na delegacia e esclarecer fato que lhe imputava crime.
Sustentou não ter nenhum envolvimento com o fato ocorrido, porém, onde quer que fosse, tinha de explicar-se perante as pessoas a respeito do ocorrido, sendo submetida à acusação vexatória e incomprovada, tornando-se necessária a reparação civil do dano moral sofrido.
Aduziu, ainda, que deve ser indenizada pelos danos morais advindos do depoimento perante terceiros na delegacia de polícia, situação que acarretou sofrimento, humilhação e ofensa à sua dignidade.
Finalmente, requereu a procedência dos pedidos e a condenação da ré ao pagamento de indenização por danos morais.
Juntou documentos às folhas 8 a 15.
Devidamente citada, a ré apresentou contestação às folhas 22 a 28, alegando a ocorrência de furto no interior de sua residência, mas que não mencionou o responsável pelo delito.
Alegou, ainda, que a polícia solicitou a presença da autora na delegacia para prestar esclarecimentos, como simples informante, acerca do ocorrido, e que, em momento algum, seu nome fora citado como responsável pelo furto.
Afirmou que deve ser indenizada, pois o irmão da autora esteve em seu trabalho (escola) fazendo-lhe inúmeras ameaças e ofensas perante seus alunos.
Salientou que não há provas de que houve calúnia, pois, em momento algum, acusou ou nem sequer espalhou que a autora tinha sido a responsável pelo furto.
Finalmente, aduziu a inexistência do dano e pugnou pela improcedência dos pedidos da exordial.
Não houve réplica.
Em audiência, foram inquiridas testemunhas e apresentadas alegações finais.
Sentenciando o feito, o Magistrado a quo julgou improcedentes os pedidos, declarando inexistência de calúnia e o conseqüente dano moral a ser ressarcido, condenando a autora ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios da parte adversa, fixados em R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais).
Irresignada, a autora apelou da decisão, sustentando, em síntese, ser devida a indenização por danos morais causados em razão do desconforto e prejuízos morais à apelante, o qual, até hoje, é atingida por questionamentos e indagações sobre os fatos narrados na exordial.
Pugnou, ao final, pela reforma da sentença e a condenação da apelada ao pagamento de indenização por danos morais.
Em suas contra-razões, pugna a apelada pelo desprovimento do recurso e a manutenção da decisão vergastada (fls. 81 a 85).
Após, os autos ascenderam a esta Corte.
VOTO
Trata-se de apelação cível interposta com o desiderato de ver reformada sentença que julgou improcedente o pedido formulado nos autos da ação de indenização por danos morais proposta por Rosana Aparecida Luiz contra Cristiane Paula dos Santos.
Alega a apelante que foi acusada injustamente de furto pela apelada e que foi intimada a comparecer na delegacia a fim de prestar depoimento. Ela negou qualquer tipo de envolvimento com os fatos, mas isso lhe causou constrangimento, humilhação e ofensa a sua dignidade, devendo ser indenizada.
Por outro lado, sustenta a apelada que houve, sim, furto em sua residência, e que registrou boletim de ocorrência, mas que, em momento algum, acusou a apelante de ter cometido tal delito, tornando-se infundado o pedido de indenização por danos morais.
Inicialmente, importa asseverar que a provocação da autoridade policial para que seja apurada suposta prática de infração penal é um direito não apenas do lesado, como de toda e qualquer pessoa do povo (art. 5º, II e § 3º, do CPP).
Diante disso, a jurisprudência tem entendido, quase que unanimemente, ser descabida a indenização ao indiciado por danos decorrentes de inquérito policial posteriormente arquivado, a menos que aquele que deu causa à instauração tenha, comprovadamente, agido dolosamente ou de má-fé.
Senão vejamos, dispõe o art. 186 do Código Civil que "aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito".
Tecendo comentários acerca da aplicação do artigo supracitado, ensina Maria Helena Diniz:
Para que se configure o ato ilícito, será imprescindível que haja: a) fato lesivo voluntário, negligência ou imprudência [...]; b) ocorrência de um dano patrimonial ou moral, sendo que pela Súmula 37 do Superior Tribunal de Justiça serão cumuláveis as indenizações por dano material e moral decorrentes do mesmo fato [...]; e c) nexo de causalidade entre o dano e o comportamento do agente (in Código Civil Anotado, 10ª ed., São Paulo, Saraiva, 2004, p. 196 e 197).
Desse modo, para que se caracterize o ilícito civil, necessária se faz a conjugação dos seguintes elementos: ação ou omissão, culposa ou dolosa, do agente; dano moral ou patrimonial; e a relação de causalidade entre a conduta do agente e o dano experimentado pela vítima.
Outrossim, verifica-se a inexistência do ilícito civil, uma vez que a apelada agiu de boa-fé quando comunicou o furto perante a autoridade policial, afastando o dever de indenizar.
In casu sub examine, verifica-se a inexistência de ato ilícito quando a apelada comunicou à autoridade competente furto em sua residência, não imputando a ninguém a autoria do fato, agindo ela então de boa-fé e em exercício regular de direito, afastando o dever de indenizar.
Acerca da matéria, Arnaldo Marmitt ensina:
"Cumpre deixar claro que a simples comunicação de um fato aparentemente delituoso à polícia, para a sua devida apuração, por si só não gera responsabilidade indenizatória do comunicante, quando a investigação resultar inócua, nem quando sobrevier absolvição. Para que o informante seja compelido a pagar perdas e danos, imprescindível é que tenha agido com dolo, imprudência grave ou leviandade inescusável. Sem tais requisitos subjetivos e sem a má-fé do denunciante ou querelante, não haverá lide temerária apta a acarretar obrigação de compor perdas e danos." (Perdas e danos. Rio de Janeiro: Aide, 1987. p. 33).
Yussef Said Cahali, no mesmo sentido destaca:
Sob esse aspecto, e especialmente em casos de calúnia e denunciação caluniosa, nossos tribunais, desde longa data, firmaram o entendimento de que "não pode o réu ser responsabilizado pela prática de ato ilícito consistente em denunciação caluniosa se a representação por ela feita contra o autor à autoridade policial não se reveste de dolo, temeridade ou má-fé". Desse modo, "para que possa prosperar a ação de indenização fundada em denunciação caluniosa, é imprescindível a condição prévia do próprio acusador ter ciência plena da falsidade da acusação. O erro de fato sobre a inocência do acusado ou a dúvida ou a suspeita nesse sentido excluem a culpabilidade" (in Dano Moral. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 307e 308).
Outrossim, constata-se que a apelada tocou no nome da apelante na delegacia, quando questionada sobre quem presenciou o fato, mas, em momento algum foi-lhe imputado crime, sendo simplesmente arrolada como informante.
A prova documental acostada aos autos (fl. 8) revela, incontestemente, a ausência de má-fé, e que a apelada somente se utilizou de um direito que lhe cabe, noticiando à autoridade policial o furto em sua residência, sem mencionar a autoria ao fato ocorrido.
Assim, não resta dúvida de que não houve imputação do fato lesivo por parte da apelada à apelante, tendo em vista apelada somente ter registrado boletim de ocorrência para apurar o delito.
O art. 188 do Código Civil descreve que:
Não constituem atos ilícitos:
I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido;
Em entendimento jurisprudencial do nosso Tribunal, fixou-se o seguinte:
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS - NOTITIA CRIMINIS E POSTERIOR AÇÃO PENAL COM SENTENÇA ABSOLUTÓRIA - EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO DO NOTICIANTE - RESPONSABILIDADE CIVIL AFASTADA - RECURSO DESPROVIDO.
Somente quando se age com dolo ou má-fé no comunicado de uma notitia criminis é que surge o dever de indenizar. Se a informação é baseada em fundados elementos capazes até mesmo de iniciar a ação penal, ainda que posteriormente a sentença seja absolutória, não há responsabilidade indenizatória quanto aos danos que esta demanda venha trazer (AC n. 2001.017383-2, de Ponte Serrada, relatora Desª. Salete Silva Sommariva, julgada em 31-8-2004).
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA - DANO MORAL - INOCORRÊNCIA
"Não há lugar para a ação de indenização por perdas e danos, no caso de pedido frustrado de abertura de inquérito policial para a apuração de fato havido como delituoso, se não ficar provada a má-fé ou malícia do requerente (RT 295/200); só se legitima o direito à indenização de perdas e danos, 'quando da denúncia surjam elementos positivos de improcedência grave ou leviandade inescusável' (RT 249/133), inadmitido o pedido indenizatório se a representação não se reveste de dolo, temeridade ou má-fé (RT 249/133)" (Yussef Said Cahali, Dano e Indenização, Revista dos Tribunais, 1980, p. 126). (AC n. 88.069700-1 (44.563), de Timbó, relator Des. Solon d'Eça Neves, julgado em 23-8-1998).
Não constitui denunciação caluniosa e sim o exercício regular de um direito, a formalização, pela empregadora, de pedido de investigação criminal contra empregado seu, suspeito de práticas de furto. Assim, deflagrada a ação penal, a eventual absolvição, por insuficiência de provas, não rende ensejo à pretensão indenizatória, por dano moral, se não demonstrada a má-fé ou a malícia, improcedência grave ou leviandade inescusável do agente" (AC n. 46.841, de Tubarão, Rel. Des. Pedro Manoel Abreu, j. 14-3-96).
'O simples requerimento de abertura de inquérito policial, para a apuração de fato tido como delituoso, constitui direito da vítima e, salvo comprovação de ter ela agido com dolo ou má-fé, não dá ensejo a pedido de indenização por dano moral, mesmo que absolvidos os acusados, porque fortes eram os indícios de que realmente haviam praticado o ato típico descrito na denúncia.' (Apelação cível n. 96.006608-0, de Blumenau, rel. Des. Eder Graf)" (AC n. 97.012101-6, Rel. Des. Eládio Torret Rocha, j. em 2-12-99).
Reitera-se que a apelada somente comunicou o ocorrido à autoridade policial e não acusou a apelante como autora do delito; portanto, não subsiste a intenção de prejudicar ou acusar.
Salienta-se que o depoimento foi prestado perante a autoridade policial, sem causar situação vexatória, humilhação ou ofensa à dignidade da apelante, uma vez que a polícia agiu em exercício regular de direito, inexistindo o dano corroborado pela apelante.
A par disso, conclui-se que a apelada agiu de boa-fé, utilizando-se de um direito que lhe cabe, noticiando à autoridade policial o fato ocorrido, assim não se caracterizando a prática de ato ilícito e, conseqüentemente, inexistindo o dever de indenizar.
Ante o exposto, nega-se provimento ao apelo, mantendo-se a sentença ora vergastada.
DECISÃO
Nos termos do voto do Relator, nega-se provimento ao recurso.
Participaram do julgamento, realizado em 4 de setembro de 2007, com votos vencedores, os Exmos. Srs. Des. Marcus Tulio Sartorato e Jânio Machado.
Florianópolis, 17 de setembro de 2007
Fernando Carioni
PRESIDENTE E RELATOR
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